Na sequência das entrevistas sobre voluntariado, Joana Dias, foi mais uma das entrevistadas. Joana, de 22 anos, é licenciada em Ciências da Comunicação, e está atualmente a tirar o mestrado em Ciências da Cultura, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Apesar de nunca ter pensado em fazer voluntariado, quando o fez, no verão, em Cabo Verde, na Ilha do Sal, Joana referiu que os dois meses que lá passaram foram curtos.
Pertencente ao mesmo grupo, as duas tiveram funções diferentes, ao contrário da Carla que trabalhou com crianças, Joana teve a missão de ir para as cadeias e manter o contacto com os reclusos detidos.
Já tinhas pensado em fazer voluntariado?
Sinceramente a ideia de voluntariado nunca me tinha surgido. Nunca tinha pensado em ter uma experiência destas ou que seria adequada para fazê-lo. Foi algo que apareceu “de pára-quedas”. Pensei que seria uma oportunidade e a melhor altura para viver isto. Tive conhecimento de um grupo de acção social que faz voluntariado em Portugal e também em África e eu e a Carla começámos a formação no início de 2010.
O que significou esta aventura para ti?
Bem, é muito complicado falar sobre isto porque vivi tanta coisa, aconteceu tanto e conheci tanto. Sem sombra de dúvida que a palavra aventura será uma das que melhor descreve esta experiência. A ida para o Sal fez-me crescer, conhecer melhor as minhas capacidades e conhecer-me a mim própria, proporcionou-me dos momentos mais felizes que alguma vez vivi, e lá cruzei-me com as pessoas mais fantásticas que alguma vez conheci.
Antes de ires, sabias o que significava fazer voluntariado?
Nunca me tinha passado pela cabeça fazer voluntariado e sinceramente achava que não tinha competência, talento, jeito ou o que seja para tal. Felizmente, graças à formação que tivemos ao longe do ano tive a oportunidade de fazer voluntariado antes de ir para a Ilha do Sal.
O que é preciso para ser voluntário? E para se ser um Bom voluntário?
É engraçado porque quando surgiu esta oportunidade questionei o mesmo a mim própria o mesmo. Não há uma definição exacta para esta questão, mas na minha perspectiva, e pode soar um bocado cliché, para ser voluntário é preciso estarmos apaixonados por aquilo que estamos a fazer e principalmente amar aqueles com quem nos cruzamos. Claro que há sempre determinadas competências que são exigidas dependendo das circunstâncias e do tipo de voluntariado que se vai fazer mas só desta forma me foi possível viver como voluntária e tentar ser uma boa voluntária
Hoje em dia a nossa sociedade, vive mergulhada num individualismo egoísta. Vocês, como voluntárias numa ilha onde não conheciam ninguém, numa ilha pobre, sentiram isso?
Felizmente no Sal não se sente nada disso. Dizem que a Ilha do Sal é a mais parecida à Europa, talvez pelo turismo, mas há um enorme espírito de entre ajuda. Enquanto estive lá, nunca me senti uma forasteira, são pessoas extremamente acolhedoras e há muito o sentimento de partilha, mesmo nas coisas mais pequeninas que podem parecer mais insignificantes. Os caboverdianos são um povo incrível.
Como foram esses dois meses?
Foram curtos para tanta coisa que vivemos lá. Sei que nunca vou conseguir verbalizar tudo o que vivi e senti enquanto estive no Sal. A intensidade fez com que por vezes o tempo se alongasse mas olhando agora para trás parece que passou rápido demais para tudo aquilo que aconteceu.
Em que consistiu o vosso trabalho lá como voluntárias?
Como a Carla já explicou, éramos um grupo de quatro pessoas e para o trabalho que desenvolvemos lá trabalhávamos em pares. Neste caso eu estive a trabalhar na cadeia de Espargos com os reclusos onde tentámos através de várias dinâmicas desenvolver competências mas principalmente a auto-estima objectivando a reintegração. Fazíamos várias actividades de grupo que felizmente resultaram muito bem mas por outro lado muitas vezes o que eles precisavam era alguém com quem conversar e precisávamos de estar atentas a esses momentos para estarmos presentes quando eles precisassem.
Qual a melhor e a pior recordação que trouxeste de lá?
Aconteceu muita coisa que significa muito para mim mas que para quem não presenciou muito provavelmente não quererá dizer nada. Lembro-me no último dia que estive na cadeia, quando disse a um dos reclusos que me ia embora naquele dia ele ficou surpreso e perguntou-me se não era só na semana seguinte. Eu respondi-lhe que ele tinha trocado o dia e ele respondeu-me triste que agora não teria com quem falar, foi aí que percebi que a partida não me iria custar só a mim mas também àqueles com quem criei laços durante o tempo que estive no Sal.
Por outro lado, algo que recordo com muito carinho foi também quando estava a trabalhar na cadeia e um recluso com o qual foi complicado chegar até ele me disse enquanto conversávamos “não percebo porque é que te estou a contar isto, nunca falei com ninguém sobre isto”, nestes momentos é gratificante perceber que a nossa vitória está nos pequenos momentos e nas coisas mais pequeninas.
Há alguma história que gostasses de partilhar?
Houve vários acontecimentos, uma vez fomos ao pé de um hotel ter com os meninos de rua e estávamos na praia em frente a um hotel mundialmente conceituado e uma empregada muito cordialmente foi-me perguntar se era o nosso primeiro dia no hotel.
Outra situação engraçada foi num convívio que fizemos na praia com os meninos e precisávamos de uma panela grande para cozinhar, então eu e a Carla fomos procurar quem tivesse e graças a indicações que nos iam dando lá fomos parar a casa de uma de uma senhora que não nos conhecia. Explicámos à senhora quem éramos e para que precisávamos da panela e a senhora além de nos receber em casa dela, contou-nos a história da panela, que já tinha ido para outras ilhas e até se ofereceu para ir connosco e cozinhar. Fiquei fascinada com a bondade daquela senhora.
Houve outra situação quando já tinha passado sensivelmente um mês da nossa estadia no Sal quando conheci um recluso novo e estivemos a conversar, entretanto no dia seguinte quando o fui cumprimentar ele ficou espantado por me lembrar do nome dele. Foi incrível ver o quão emocionado ele ficou por uma coisa tão simples.
Monetariamente, vocês não ganharam nada, e emocionalmente?
Tudo o que vivi e recebi enquanto estive no Sal não se compara a qualquer valor monetário. Aprendi muito e tudo aquilo que me deram é indescritível. Cresci imenso com estes dois meses, conheci os seres humanos mais fantásticos que alguma vez conheci, deram-me tanto e talvez não se tenham apercebido disso. Foi demasiado grandioso e sei que sou uma privilegiada.
Se tiveres oportunidade, voltas a faze-lo?
Claro que sim. Depois de se ter uma experiência destas fica sempre a vontade de voltar a repetir, de fazer mais. O tempo que tivemos soube a pouco e havia ainda muito para fazer. Sabíamos que íamos ficar no Sal dois meses e tínhamos um plano definido mas mesmo assim voltámos com o sentimento que poderíamos ter feito mais ainda, caso tivéssemos tido mais tempo. Além disso deixámos lá aqueles com quem vivemos durante os dois meses e que se tornaram tão importantes para nós. Sem dúvida que ficou a vontade de voltar a fazer voluntariado mas também a vontade de voltar ao Sal e voltar a ver todos aqueles com quem criámos laços.
Escolhe uma fotografia, e resume a sua história em breves linhas, por favor.
Esta foto foi tirada na cadeia no último dia, à primeira vista não tem nada de especial mas é uma das fotos que recordo com mais carinho pelo facto da cumplicidade que conseguimos criar com todos eles. Este é o Austin que tal como os demais tive o privilégio de conhecer e criar laços. Depois de várias tentativas falhadas, porque o Austin não gostava de nenhuma fotografia, esta foi a que ficou melhor pelo que me transmite, apesar de ele não ter concordado com a minha opinião.
Por: Cidália Monteiro
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