Mário Miguel Pereira Trindade nasceu a 25 de Maio de 1975, na pacata cidade de Vila Real. Muito cedo lhe foi diagnosticada uma escoliose, que desde esse momento lhe veio condicionar a vida e a mobilidade. Enfrentando todos esses desafios, cresceu e teve uma adolescência normal, contudo a escoliose decidiu pregar uma partida levando-o a ser operado e a ficar incapacitado de andar a partir desse momento.
Uma vida nem sempre fácil, no entanto a vida pregou uma rasteira a um homem com coragem e determinação para vencer todos os obstáculos que esta lhe impusesse. Hoje é detentor de um recorde do Guinesse, várias vezes medalhado, mas poucas vezes reconhecido pelo seu mérito.
Mário Trindade é um atleta paraplégico que tem o sonho de participar nos jogos paralimpicos de 2012, mas é a descobrir e ajudar novos atletas na mesma situação que se sente verdadeiramente realizado.
1-Quando é que descobriu a paixão pelo desporto, especialmente pelo atletismo?
Mário_ Descobri a paixão pelo desporto ainda eu andava a pé, foi quando fui para o ciclo, para o primeiro ano, e quando o professor nos mandava fazer as voltinhas de aquecimento, enquanto os meus colegas davam três voltas ao campo de futebol eu dava cerca de dez. Na altura o meu professor disse-me que eu corria muito bem e devia apostar no atletismo. Foi nessa altura que formei uma equipa aqui em Vila Real com mais três ou quatro amigos e fazíamos aquelas provas do 25 de Abril, do dia 1 de Maio, onde ganhei várias vezes o primeiro lugar, quer individual quer em equipas. Posteriormente com o decorrer da situação, quando fiquei deficiente, ouve ali um tempo em que eu não sabia que era possível praticar desporto numa cadeira de rodas, contudo quando descobri comecei pelo basquetebol e joguei durante dez anos, os últimos três fui chamado para a Selecção Nacional e depois como a minha grande paixão sempre foi o atletismo e soube que na cadeira de rodas podia fazer atletismo tentei arranjar o mais rapidamente possível uma cadeira de competição. Tarefa que não se revelou nada fácil porque essas cadeiras custam cerca de 5000 euros, no entanto eu tinha uns amigos que tinham umas cadeiras dessas, não eram adequadas à minha deficiência, mas dava para experimentar a modalidade. Andei cerca de um ano com essa cadeira até conseguir uma nova.
Mário_ Depende da altura do ano. Normalmente no atletismo à a especialização, ou em velocidade ou em fundo. Nós em Portugal como há tão poucas provas e como somos poucos atletas fazemos um pouco de tudo. De verão treinamos para velocidade e de inverno para provas de estrada, para meias-maratonas. Normalmente para provas de velocidade que exigem força treinamos uma hora e meia por dia, para provas de estrada onde temos que colocar mais volume treinamos cerca de duas horas. É o treino mínimo diário exigido.
3. Em que classe compete?
Mário_ Actualmente estou na classe T53, classe dos paraplégicos, embora a minha deficiência seja uma pouco mais severa. Considero-me mal classificado e preciso de ir a uma competição internacional para poder ser classificado por técnicos internacionais, até lá tenho de competir nesse escalão.
4. Carpinteiro, chegou a trabalhar num salão de jogos, posteriormente em um clube de vídeo, já foi secretário voluntário da Associação de Deficientes Motores Transmontanos, podê-lo-íamos considerar o homem dos sete ofícios. Contudo como quer que o conheçam profissionalmente?
Mário_ Quero que me conheçam como atleta, como pessoa que sou e não por aquilo que eu faço ou posso vir a fazer. Já fiz mil e uma coisas, já tive programas de rádio, já fiz de tudo um pouco. Acima de tudo o que eu gosto é fazer algo para tentar ajudar as pessoas com deficiência. Tudo aquilo que eu fiz até hoje esteve sempre ligado à deficiência e como poderia ajudar as pessoas que estão na mesma situação que eu e não têm tanta força para conseguir ultrapassar os obstáculos quer no dia-a-dia quer no emprego, no desporto e de enfrentar a sociedade. São coisas banais, mas para uma pessoa que está numa cadeira de rodas tornam-se problemas muito difíceis de ultrapassar e é nisso que eu tento pensar.
5.A ideia de entrar para o livro do Guinesse pela maior distância percorrida em cadeira de rodas em 24 horas surgiu como?
Mário_ Eu sou aquilo que se chama o verdadeiro idiota_ tenho muitas ideias. Sou uma pessoa que tem insónias e quando estou na cama estou sempre a pensar naquilo que vou fazer no dia ou na semana seguinte. Isto tudo começou porque sou moderador de alguns fóruns de deficiência e conheci duas miúdas portadoras de uma doença, osteogénese imperfeita, isto é partem muito facilmente os ossos e qualquer movimento brusco, como um simples susto, serve para partirem um braço ou uma perna. Como são muito frágeis nunca saem da cama. E a cama não se coloca em qualquer meio de transporte facilmente. O que elas precisavam era de uma carrinha de nove lugares para poderem colocar lá as camas e alguém as levar quer ao hospital, quer a dar mesmo um passeio. Elas contaram-me esta situação e a última vez que uma tinha mesmo saído de casa para ir ao hospital com uma dor de barriga saiu de lá com um braço partido. Quando elas me contaram esta história eu comecei a pensar no que poderia fazer e como dinheiro não tenho e faço atletismo posso ir correr para a pista da UTAD e dizer que quero dinheiro para uma carrinha, mas se assim for, certamente ninguém me vai ouvir. Lembrei-me de arranjar algo que desse nome a este projecto e decidi que ia entrar para o livro do Guinesse, porque é uma coisa à qual as pessoas dão muita atenção. A ideia já tinha faltava-me o dia. No dia 3 de Dezembro_ dia Internacional da Pessoa com Deficiência, as pessoas estão muito sensíveis a estas causas, no entanto no dia 4 já se esqueceram, contudo falei com a minha equipa, com alguns patrocinadores, expus o caso e no dia 3 de Dezembro entrei na pista.
6.Qual é o resultado desportivo de que mais se orgulha até ao momento?
Mário_ Eu gostava, sem dúvida, de um dia estar os jogos paralímpicos, acho que é o sonho de qualquer atleta, sou campeão nacional dos 100 e 200 metros, sou recordista nacional, mas isso para mim são títulos. Não dou demasiada importância aos títulos, mas aquilo que mais me marcou foi o dia em que eu fui para os Açores com uma chave na mão e entrei por uma porta e disse para duas miúdas que elas poderiam sair quando quisessem porque já tinham uma carrinha. Isso sim marcou-me e vai marcar-me o resto da vida. Um título mais um título, mais recorde menos recorde são coisas insignificantes.
7. O Mário acha que a sociedade o olha de modo diferente, talvez mais a sério, por ter vencido o recorde do Guiness.
Mário_ Isso sem dúvida! Eu noto que desde que comecei a praticar desporto as pessoas, principalmente em Vila Real, começaram a olhar para mim com outros olhos, acreditar naquilo que eu faço. As pessoas deram-me credibilidade e cada vez que eu digo que tenho mais um projecto elas estão comigo.
8. Sente que tem apoio necessário para poder representar Portugal nos Jogos Paralímpicos de 2012?
Mário_ Não, mas gostava de ter! De 2004 a 2007 tive um patrocinador muito bom que me suportava todas as deslocações a todas as provas a nível nacional e internacional. Contudo, agora com esta crise que se instalou, na só em Portugal mas pelo mundo inteiro, também eu perdi esse patrocinador. Actualmente para competir tenho de pagar. Eu se quiser trabalhar para em 2012 ir aos jogos Paralímpicos tenho de deixar de comer, para poder fazer desporto. Estou a estudar novas formas de apoio, porque senão vou ter de colocar de lado o atletismo porque não é viável em Portugal.
9. Para o Mário ser um atleta realizado o que é preciso?
Mário_Recentemente formei uma associação_ Associação Nacional de Atletismo em Cadeiras de Rodas_ e ficava mais realizado se tivesse meios para lançar dois ou três atletas do que eu próprio ir aos jogos Paralímpicos. Actualmente estou mais preocupado em conseguir condições para dar a oportunidade a outras pessoas com deficiência evoluírem.
10. Que mensagem deixa aos jovens do nosso país?
Mário_ Desejava que eles pensassem que estar numa cadeira de rodas não é nada do outro mundo. Eu aqui á 18 anos atrás não pensava estar e hoje estou e acima de tudo que lidem com uma pessoa com deficiência da mesma forma que o fazem com outras pessoas. Somos pessoas normais, nem mais nem menos, porque todos nós somos diferentes, uns mais gordos outros mais magros, mais baixos ou mais altos, é preciso é que apreciem as pessoas, porque às vezes uma pessoa com deficiência tem tantas potencialidades que se conseguirmos colocar de lado a estética e olhar o seu interior vale muito a pena ter uma amigo daqueles, se o souberem cativar claro.
Por Cláudia Teixeira
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