Um dos rostos que marcou a vida política, social e económica de Vila Real. Armando Afonso Moreira, um transmontano de raiz, lançou-se na actividade política e lá permaneceu durante longos mandatos, enquanto presidente da Câmara Municipal de Vila Real. Preocupou-se em desenvolver a cidade, o concelho e a região. Trabalhou para a instalação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e para a dinamização da actividade cultural, através do projecto 5.2 Conselho da Europa (“Políticas Culturais nas Cidades”), fazendo com que ganhasse protagonismo a nível internacional.




Em termos de actividade política, promoveu também a instalação de quadros técnicos em falta na região e na cidade, como médicos, professores, jornalistas, enfermeiros. Pugnou pela regionalização e fomentou o movimento associativo nas autarquias, através da Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro, tendo durado alguns anos como estrutura embrionária da região transmontana. No domínio da Saúde promoveu o desenvolvimento do Hospital de Lordelo, inicialmente pensado e construído para a valência psiquiátrica.
Em 1995, depois de ter ocupado o cargo de Governador Civil, ligou-se ao mundo dos negócios na área das energias alternativas (eólicas, hídricas e gás natural). Hoje, é presidente do Conselho de Administração do grupo DouroGás.

Ana Teixeira (AT): O que o levou a seguir Política?
Armando Moreira (AM): A apetência pela Política possivelmente teve origem logo na formação académica: licenciatura em Ciência Sociais e Políticas. Como se sabe a Política é uma Ciência Social e, como tal, diz respeito à actividade humana em sentido estrito.

AT: Como surgiu esse impulso? Sempre quis enveredar por esse caminho?
AM: Depois do serviço militar, cumprido na Guiné entre 1963 e 1965, rumei a Moçambique, e aí trabalhei na Administração Civil como Administrador de Concelho. Esse primeiro contacto com os problemas das pessoas talvez tenha contribuído para aprofundar o conhecimento da realidade, somando-se aos saberes académicos adquiridos na Universidade.

AT: Mas cá, como foi a sua entrada?

AM: A entrada na Política no pós-25 de Abril, foi, possivelmente, fruto do acaso. Porque, regressado de Angola em 1975 e a exercer actividade docente numa Escola Secundária em Vila Real, achei-me disponível para aceitar o convite que me foi feito em 1976 para liderar a lista de candidatos do partido político com que simpatizava, à Câmara de Vila Real. Aceitei, ganhámos e assim se iniciou um período de 17 anos durante os quais presidi aos destinos do Concelho de Vila Real, por sinal, a terra do meu nascimento. 

AT: Qual foi o momento mais marcante que viveu enquanto político?
AM: O momento mais marcante!... (hesitação) Não sei, talvez a morte do líder do Partido, Francisco Sá Carneiro, cujo carisma não deixava ninguém indiferente. Tive a felicidade de com ele privar em várias circunstâncias. A sua perda criou, em mim, um enorme vazio.

AT: O que é a Política?
AM: É a arte de governar os povos. Toda a actividade política deve ter como escopo encontrar soluções para os problemas das pessoas que vivem em sociedade. Fazer evoluir a sociedade, lutar pelo desenvolvimento e perseguir o crescimento, são tarefas que se enquadram na actividade política.
Quem não estiver na política perseguindo estes propósitos, adultera os seus objectivos e só pode dar má imagem de si próprio e da actividade que exerce.

AT: Creio que cessou funções políticas em 1995…
AM: Eu não cessei funções políticas, porque políticos somos todos, uns mais do que outros, é certo. Uns com funções específicas: deputados, vereadores, ministros. Outros como jornalistas, analistas, comentadores. Alguns como actividade profissional permanente. Outros como hobby e a maior parte como destinatários da actividade política. Bem se pode dizer que todo o homem “é um animal político”.

“Hoje, como se percebe,
há tempo de sobra para a politiquice

AT: O “Fazer Política” do seu tempo mudou muito. Hoje como vê esta actividade?
AM: É um dom; uma arte. Há quem a desempenha bem, há outros que têm menos jeito ou não têm mesmo nenhum.
Nos primeiros anos de democracia (1977/1985) havia muita generosidade na forma de estar na política. E também, muita solidariedade. Tudo era novo. Havia que improvisar muito. Houve que criar muitos mecanismos de suporte à actividade política.
Tive a sorte de ter vivido esse período. As autarquias herdadas da II República eram praticamente inexistentes. Foi preciso criar legislação, dotá-las de meios financeiros, de instrumentos de gestão – no ambiente, no ordenamento do território, no urbanismo, nos serviços ao munícipe (água, saneamento, electricidade, caminhos, escolas, centros de saúde). Eram tantas coisas a que dar atenção, que o autarca não tinha tempo para os jogos de bastidores com que muito se comprazem hoje.

Recordo, assim à distância, alguns dos empreendimentos emblemáticos, que ficaram de meu tempo de autarca: a Universidade, o Hospital de Lordelo, três bairros sociais (cerca de 600 fogos), duas barragens para abastecimento de água (Alvão e Sordo), a Zona Industrial, o Aeródromo, a transformação das velhinhas estradas do Marão no moderno IP4, a manutenção da linha do Corgo e a passagem das máquinas a vapor para o diesel, a terceira travessia do rio Corgo, o Complexo Fluvial de Codeçais, o parque de campismo, o Complexo Desportivo do Monte da Forca, a Avenida da Europa, a Alameda da Grasse. E a transformação dos espaços rurais – sem água, sem luz, sem estradas de acesso, e arruamento de lama e pó, em espaços urbanizados e com condições de vida muito aceitáveis.
Talvez seja esta a diferença de outrora para hoje. Naquela altura não se podia perder tempo. Hoje, como se percebe, há tempo de sobra para a politiquice. Eu não me estou a ver neste filme de agora.

“Quem está no poder quer conservá-lo,
 quem não está quer conquistá-lo”

AT: Como é que um político prepara uma campanha eleitoral?
AM: As campanhas eleitorais têm que ser vistas segundo dois prismas, quase antagónicos.
Quem está no poder e quer conservá-lo e quem, não estando nele, quer conquistá-lo.

Os primeiros preparam as campanhas baseando na obra executada e projectando através dessa acção, o futuro. Recordo que o slogan do meu segundo mandato (1980/1983) era assim: Vota em quem cumpriu. Ou seja, a minha mais-valia era saber que as pessoas me conheciam e sabiam o que tinha feito. É evidente que muito continuava por fazer, e havia que saber explicar àquelas comunidades que se sentiam mais “prejudicadas”, que o seu tempo também haveria de chegar.

AT: Como se relacionava com as pessoas?
AM: Quem se candidata pela primeira vez, tem mais dificuldade. Tem que ser inovador nas ideias, tem que se dar a conhecer, tem que encontrar ocasiões para ir de encontro ao eleitorado. É um trabalho muito mais difícil. Eu só tive esta experiência na candidatura ao primeiro mandato. Mas aí, fiz basear a minha estratégia no facto de ser natural da terra, de ter estudado em Vila Real e de ter uma larga experiência de gestão na minha profissão de origem (gestor bancário).
E o eleitorado acreditou e, penso eu, não ficou defraudado.

AT: Vivenciou nesse período algumas peripécias. Tem alguma história que possa contar?
AM: No último dia da campanha da minha terceira ou quarta candidatura fiquei com a tarde completamente livre. Tinha visitado todo o concelho, palmo a palmo, só aguardava pelo início da caravana automóvel que se iniciaria por volta da hora do jantar, como era costume.
Lembrei-me que não tinha ido visitar Vilarinho da Samardã, uma pequena aldeia contígua àquela que me viu nascer. Decidi, para passar o tempo, ir até lá, com o carro da campanha. Parei junto de um grande tanque de lavar a roupa, onde estava uma senhora aí dos seus 60 anos, de roupa preta (luto) e um ar humilde.
Aproximei-me, cumprimentei-a e dirigi-lhe a palavra. Respondeu-me com grande cordialidade, dizendo-me que sabia muito bem quem eu era... e inquiriu: o que é que o senhor Presidente vem fazer por aqui a esta hora? Respondi-lhe que era o último dia de campanha, que ia haver eleições no domingo… e que andava a sensibilizar as pessoas para votar.
Aí a senhora, deu-me a seguinte lição: Olhe Sr. Presidente, antigamente também havia eleições, embora alguns agora digam que elas não valiam nada. Mas havia. Aqui na freguesia vizinha, o presidente da junta que era o pai de um pessoa que o senhor bem conhece, foi abordado, certa vez, isto há mais de 20 anos talvez, pelo candidato à Câmara de então, que era contrário ao que lá estava. O referido Presidente da Junta que apoiava o outro candidato, disse-lhe: o Senhor Doutor veja aqui o meu casaco – por força já tem muitos remendos e no interior, pode ver, tem ainda muitos mais. Não dá para virar. O Senhor Doutor percebeu, e virou costas.
Agora digo-lhe a si Sr. Presidente. Veja aqui o meu avental, pela frente, vá que não vá, mas por detrás, é só remendos. Não dá para virar. Pode ir sossegado, que no domingo lá nos terá a todos consigo.
Despedi-me da senhora, trazendo uma bela lição de política.

“Julgamentos na praça pública, ou nos jornais
– não contribuo para esse peditório”

AT: Hoje, jornais, rádios e televisões mostram muita actividade política. Quando exerceu como presidente de câmara também era assim, frequente e intensa?
AM: A relação dos políticos com os media é fundamental. Mas também é fundamental que a comunicação social seja séria na forma como transmite, sem segundas intenções, a actividade resultante da função política. Pessoalmente, senti-me um privilegiado pela comunicação social. Era presença frequente nas Rádios Nacionais e na RTP. E os jornais diários faziam uma grande cobertura de tudo o que se passava por aqui.

AT: Existe uma opinião geral de que os políticos falam muito, muito prometem, mas não cumprem. Como justifica esta ideia generalizada?
AM: Dizer mal é uma característica do povo, em geral. E os políticos são vistos, quase sempre, com uma certa inveja e as oposições acicatam um pouco esse clima.
Recordo-me de ter dito, em certa ocasião na Assembleia Municipal, virando-me para a oposição: Esta proposta que estou a fazer é má, porque gostariam de ser vocês a fazê-la. Mas como o povo delegou o poder em mim e não em vocês então acham que é má. Aguardem que o povo os eleja.
Depois, há que saber distinguir o que é campanha, em que se exagera – todos exageram, e o exercício das funções. E estas obrigam-nos muitas vezes a não poder ir tão longe quanto se gostaria. Não alinho muito no coro dos que dizem que todos os males de que as sociedades padecem são causados pelos políticos. Normalmente, é o tal mal de inveja – de quem gostaria de estar a exercer determinadas funções mas não o consegue, porque não foi eleito, não tem capacidade, não tem condições. Corrupção, benefícios pessoais...é uma lengalenga, em que procuro não alinhar. Se ela existe, deve ser investigada e os seus autores julgados e castigados. Julgamentos na praça pública, ou nos jornais – não contribuo para esse peditório.

AT: Considera que os jovens de hoje sentem-se atraídos pela Política?
AM: Infelizmente, não me parece que os nossos jovens estejam a enveredar muito pela política, em sentido estrito. A vida académica deixa muito pouco espaço e não me parece que as Universidades estejam a dar grande atenção à formação política da juventude.
Repare que nos anos 60, a grande contestação ao regime de então, foi forjada nas Universidades de Coimbra e Lisboa.
A seguir ao 25 de Abril, também os movimentos juvenis se identificaram muito com as Universidades, designadamente as faculdades de Direito e de Economia de Lisboa. Hoje, não me tenho apercebido de movimentos desse género. Se os há, saúdo-os, pois nas Universidades é onde se gera o fermente do que seremos no futuro.
O papel dos Partidos Políticos que existem é fundamental na formação das elites jovens que irão desempenhar funções políticas no futuro. Mas do que conheço, só no Partido Comunista Português se percebe os esforços que fazem na formação.

Por: Ana Teixeira

NOTA: Todas as fotografias – Direitos Reservados.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lambão!

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